Quem quer comprar?

Publicado em www.ambienteonline.pt,Lisboa,28.10.2019;Tribuna Independente,Maceió,30.10.2019

Desde a proposição da MP 844 no ano passado, a privatização como se falava na década de 90, no século passado, voltou a fazer parte do presente e do futuro dos serviços públicos de saneamento. O que há de novo agora é o privatismo e o antiprivatismo, baseados em projeções e teorias que lembram a teoria matemática conhecida como “Teoria do Caos”. Há uma tendência para utilização de operadores privados como solução única para alcance da universalização do atendimento com serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, mesmo sabendo que há exemplos indicando que não é possível tê-los em todos os municípios. Salvo engano na interpretação do que se verifica, alguns argumentos divulgados pelas partes no debate polarizado, apontam para uma regra básica da teoria do caos que é a determinação de condições iniciais que possam levar ao objetivo desejado com segurança e sustentabilidade. Na busca pela prevalência dos modelos desprezam-se a utilização do conhecimento da realidade local e das sensibilidades social, técnica, política e financeira na análise da situação para fazer com que as projeções de longo prazo possam acontecer. Ouve-se falar sobre valor de venda das Companhias Estaduais de Saneamento, tarifas, investimentos, incapacidade de financiamento de operadores públicos e remunicipalização na Europa, como razões para apoiar o privatismo ou o antiprivatismo. Desde 1994, quando operadores privados iniciaram suas atividades em São Paulo, muitos aprendizados foram propiciados, inclusive pela SABESP, uma das boas referências nacionais na prestação dos serviços públicos de saneamento. Daí, pode-se perguntar se as experiências de remunicipalização na Europa são paradigmas para o Brasil? Nos relatórios de sites como www.epsu.org ou www.aguadetodos.com, se observa que as razões divulgadas, envolvem, em resumo, casos de descumprimentos de contratos com prejuízos para as comunidades, coisa já vista no Brasil, sem caracterizar uma tendência a remunicipalizar, visto que a sociedade não parece insatisfeita com os serviços ora prestados. O que ocorre sempre é que nas mudanças de Governador, Prefeito e presidentes de estatais, os contratos de parcerias são auditados e os ajustes devidos as novas visões e interesses são implantados. Ou seja, no universo vigente desde 1994, houve poucas remunicipalizações no Brasil. Quanto as tarifas cobradas pelas Companhias Estaduais, fala-se de tudo um pouco. Número exagerados sobre reajustes e comparação do valor daquelas, com o preço do copinho de água mineral vendido nas ruas, como fez o Deputado Geninho na 27a SOEA-Semana Oficial da Engenharia e Agronomia em Palmas, em setembro passado, deixando claro para quem o assistiu que o privatismo pode ser algo perigoso se administrado mais com “sensações” que com conhecimento, pois o preço do copinho de água mineral cria um ambiente comparativo irreal, capaz de prejudicar projeções de médio e longo prazos. De repente também, as companhias estaduais passaram de valor negativo contábil que possuem na maioria, para empresas de alto valor, gerando uma expectativa que pode ser testada com a pergunta: quem quer comprar hoje uma empresa de saneamento estadual brasileira? E por que valor? No Brasil, a atuação de operadores privados em convivência com operadores públicos é uma realidade. Aqueles operam sistemas em sua maioria com menos de 20.000 habitantes, mas também atuam em capitais, ocupando pouco espaço no mercado em termos de municípios atendidos. As Companhias Estaduais atingem a maior parte de municípios e populações, atuando em áreas urbanas e rurais. No meio da enorme quantidade de projeções, as que apontam a necessidade de investimentos – vide PLANSAB – e as metas de atendimento, pedem urgência na adequação do modelo Estadual esgotado por exemplos divulgados em rankings de várias origens. Talvez o chamado “novo marco regulatório” não fosse necessário se houvesse regulação centralizada no Governo Federal e efetiva medição do desempenho das Estaduais, de modo que o ambiente regulatório fizesse a seleção natural das que podem continuar prestando serviços, onde e como, mas com um plano executivo sobre o que fazer nacionalmente e localmente na medida das necessidades de mudança de operador. Além disso, seja para operadores públicos ou privados, o papel do Governo Federal na gestão do saneamento como atividade de interesse nacional auxiliaria na formulação de modelos sustentáveis de prestação de serviços tendo como foco o atendimento com eficiência e qualidade. Isto seria um bom começo, porém, não se pode esquecer que começar é preciso e mudar tem seu tempo.

Álvaro José Menezes da Costa

Eng. Civil, MSc, Consultor em Saneamento.

 

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