Uma nova cultura organizacional?

Publicado no site www.ambienteonline.pt, Lisboa, em 18.09.2019

Em Brasília seguem os debates sobre as heranças das MPs 844 e 868 que tratavam do “novo marco regulatório” para o saneamento, agora, com o PL 3261 e seus correlatos. Não deixa de ser importante este momento em que a Câmara dos Deputados, por tempo maior que o necessário, discute mudanças no setor de saneamento com aparente vontade de fazer diferente.

Alguns pontos dessas possíveis mudanças tem a ver com a competividade entre prestadores de serviços de origem pública ou privada, destacando as Companhias Estaduais de Saneamento que alegam poderem estar sendo atingidas mortalmente se perderem o acesso aos contratos de programa como se dá hoje.

A alegação poderia ter pleno sentido se com ela houvesse mais atenção às características locais dos serviços de saneamento, a regionalidade nacional e a realidade como está vigente desde a extinção do BNH – sempre lembrado – que era de fato o gestor do modelo exitoso das Companhias estaduais, principalmente nos serviços de abastecimento de água das capitais.

Uma pergunta que se faz é: que mal haverá se for estabelecido um processo transparente, técnico e legal de competividade objetiva, onde os poderes concedentes possam escolher quem pode alcançar metas de universalização em água e esgoto de forma sustentável em prazos exequíveis?

Nenhum e algum ao mesmo tempo, desde que existam critérios sociais, técnicos e econômicos definidos. Uma coisa é o que a SABESP pode oferecer aos municípios, outra, é o que as demais Companhias, em escalas diferentes podem fazer em prazos realistas.

Não resta dúvida pelos números que foram apresentados na revisão do PLANSAB, que os operadores privados tem conseguido avançar mais rumo a universalização em suas localidades e que as Companhias Estaduais, por várias razões, estão muito distantes do mundo da SABESP, por razões tão óbvias como as que decorrem de comparações elementares de economia de mercado e gestão competente, amparada por ampla disponibilidade de recursos em geral.

Esta “nova versão do marco regulatório” não deve ter como foco a busca por mais investimentos ou formas de alavancagem baseadas em ideias que comparam a competividade do setor de saneamento com telecomunicações ou aeroportos ou no fato de que o “investimento privado” é a panaceia salvadora.

Um grande desafio, contornável pelos exemplos reais existentes no Brasil, está na implantação de uma nova cultura organizacional e modelos de gestão nas Companhias Estaduais, Serviços Municipais e principalmente no Governo Federal, para que este possa apoiar de várias formas – com fundos financeiros, subsídios reais, modelos regulatórios por bacias hidrográficas, desburocratização e capacitação – os municípios e até regiões, que hoje são atendidas precariamente pelas Companhias Estaduais e não tem atratividade social nem econômica para que empresas privadas possam disponibilizar sua capacidade gerencial com risco financeiro elevado.

Nem as Companhias Estaduais, nem os Serviços Municipais, suportam também o ônus de continuar fazendo de conta que atendem municípios sem capacidade de pagar pelos serviços que devem receber obrigatoriamente. Os serviços de saneamento não podem ter soluções padronizadas de modelos de gestão, tão pouco pode-se imaginar que retornar a taxa de investimentos de 0,53% do PIB como entre 1970/1980 seja algo que se impute ao investidor/operador privado apenas.

Esta nova cultura organizacional citada no texto depende menos de diagnósticos e muito mais de implantação de aprendizados e inovação gerencial.

Eng. Civil Álvaro José Menezes da Costa
Maceió, 18.09.2019

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