Resiliência x Competitividade

Publicado no site www.ambienteonline.pt em Lisboa em 18.11.2019; Tribuna Independente em 26.11.2019 em Maceió/AL

Em 1983 o engenheiro eletricista Ingo Hubert, ex-presidente da SANEPAR-Cia, de Saneamento do Paraná, publicou o livro “A estatal eficaz: mito ou possibilidade?”, concluindo ser uma possibilidade, baseado no exemplo da SANEPAR. Desde esta data, com a extinção do BNH-Banco Nacional de Habitação em 1985 e o fim do PLANASA-Plano Nacional de Saneamento logo a seguir, a possibilidade, em muitos Estados deu lugar ao mito como resposta, apesar dos bons momentos pontuais, às vezes efêmeros, que marcaram desde então a vida de muitas das Companhias Estaduais, responsáveis pela gestão dos serviços em mais de 70% dos municípios brasileiros. A degradação dos serviços e o recrudescimento de indicadores é a realidade hoje, apesar de avanços no índice de coleta e tratamento de esgotos. Atualmente, essas Companhias estão numa encruzilhada que nada mais é que o resultado da falta de prioridade para o saneamento como questão nacional, diretamente ligada a saúde pública, ao meio ambiente e a economia, e onde o papel do Governo Federal não deveria ser apenas de liberador de recursos financeiros. Sempre ecoou entre técnicos dessas Companhias a crítica ao modelo atual que sobrecarregava Governos Estaduais com o ônus de gerenciar “ossos e filés”, com municípios em geral omissos e distantes de suas obrigações como poder concedente. A realidade mostra também que os “ossos” não são gerenciados na maioria dos casos e que para estes não há como responder quando terão água toda hora e esgotamento sanitário algum dia. De fato o saneamento é um serviço que não pode ter sua competividade medida como nos serviços de telecomunicações ou distribuição de energia elétrica, nem tão pouco pode se entender que o ambiente de concorrência seja o caminho para os prestadores desses serviços, visto que o saneamento como monopólio natural, tem características que exigem gestão econômica atenta para fatores como elevados custos fixos, ativos específicos com longa vida útil, economia de escopo e de escala. Além disso, a regulação para o setor de saneamento ainda está muito distante de, nas esferas estaduais e municipais, possuir condições para realmente analisar economicamente os prestadores de serviços público e privados, gerenciando conceitos regulatórios importantes ligados a demanda inelástica x consumos x tarifas e a assimetria de informações. O PLS 3261/2019 não parece ser o mal dos males, nem o trem que vai seguir na contramão dos trilhos que pretensamente levariam a universalização sob o modelo atual de gestão dos serviços por algumas Companhias Estaduais que, ao longo dos últimos 20 anos pelo menos, não conseguiram mudar sua cultura organizacional e adaptar seus modelos de gestão a sistemas empresariais onde o foco seja a sustentabilidade da organização e dos serviços, ao invés da manutenção do status quo corporativo ou corporativista no modo zona de conforto. Não se trata de copiar e colar, posto que se isto for feito, pior do que está poderá ficar. Entender a resiliência de algumas Companhias Estaduais e Serviços Municipais, por exemplo, que ao longo de sua história recente conseguiram adequar-se a ameaças, mercados, clientes e políticas públicas, usando competências locais, pode ser uma forma de se enquadrar no que estabelece o PLS 3261/2019, levando para cada Região, Estado ou Município uma solução que efetivamente garanta nas capitais e cidades do interior a melhoria da vida e da saúde dos seus habitantes, impedindo que fatores físicos de efeitos nocivos possam prejudicar as pessoas no seu bem-estar físico, mental e social, como define a OMS-Organização Mundial da Saúde. A prioridade é o cidadão, o modelo de gestão que o atenda bem deve ser a consequência mandatória, podendo ser operado por empresa pública ou privada ou ambas, desde que possam cumprir metas e gerenciar com eficiência planos de universalização realistas.

Eng. Civil, MSc, Álvaro José Menezes da Costa.

Consultor em Saneamento

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