Além do horizonte: saneamento básico, investimentos e saúde pública.

No setor de saneamento básico esquecer e repetir parece ser uma regra há 30 anos.

Em momentos como o atual em que se cruzam nas portas do destino a pandemia do novo coronavírus e a permanente epidemia de desgoverno, talvez seja no mínimo interessante olhar as soluções propostas hoje, e as que foram apresentadas no passado para salvar o Brasil de tudo e de todos aqueles que não entendem os sinais “divinos” emanados dos Presidentes da República.

Pode ser até arriscado falar em passado, sob risco de se estar provocando entendimentos de que há interesse em permanecer olhando para e pelo retrovisor ou, ou que é mais comum e arriscadíssimo, se estar contrariando as polarizadas visões ideológicas que dominam o Brasil, remetendo-o ao início do século XX.

Entretanto, quem sabe por isso e pelo que se vive hoje, olhar além do horizonte faz com que seja relevante visitar o passado, principalmente no que se refere ao setor de saneamento, obviamente escolhido como área prioritária para investimentos, agora e há 30 anos.

Sem desejar esmiuçar o passado, voltar à Era Collor, 1990/1992, significa lembrar movimentos e planos semelhantes aos que se repetem até hoje. Este período também pode ser inserido no da pandemia de Cólera dos anos 1991 a 2000, cujo pico no Brasil se deu em 1993 e o surgimento da Dengue, hoje “produto nacional”, com epidemias entre 1986 e 1999 em Estados brasileiros e devidamente promovida a outros estágios com a Zika e a Chikungunya.

O ex-Presidente Color apresentou um plano para salvar a economia com a volta de investimentos estrangeiros, venda de estatais, entre outras coisas, de modo que se esperava que a economia decolasse como foguete em poucos meses. Muitos se animaram e no setor de saneamento os sinais eram bons. Para dar um endereço ao setor criou-se a SNS – Secretaria Nacional de Saneamento, ligada ao Ministério da Ação Social.

Elaborou-se com apoio e participação de alguns setores da sociedade, um plano de investimentos para aplicar 20 bilhões de dólares ao longo de cinco anos, que seriam obtidos de fontes de dentro e de fora do país. Algo hoje como R$ 22 bilhões por ano, com um dólar médio de R$ 5,50. A SNS era a gestora deste plano. Estes números lembram outros?

É claro que havia a inflação e seu controle a curtíssimo prazo, era condição para a retomada do crescimento rapidamente. Mas, havia um plano e os US$ 20 bilhões viriam de: 10 bilhões dos orçamentos federal, estaduais e municipais; 2,5 bilhões do BIRD e do BID; o FGTS contribuiria com 3 bilhões de dólares; 2,5 bilhões viriam da iniciativa privada, através da privatização e da concessão de serviços; e 1,8 bilhões de dólares seriam obtidos com o pagamento da dívida das companhias, além de 1,5 bilhão de investimentos com recursos tarifários que sobrassem da operação dos serviços.

Nada aconteceu na Era Collor. Depois de 1992, o saneamento viveu a sua década perdida. Pouco ou nenhum avanço. Em 2000 se investiu aproximadamente R$ 2,4 bilhões, em 2008, R$ 5,6 bilhões e em 2018, R$ 13,2 bilhões, segundo o SNIS. A partir de 2007, em termos legais, institucionais e investimentos os serviços de água e esgotos no Brasil avançaram, embora os índices nacionais não tenham mostrado evolução sustentável.

Assim, chega-se a 2020 e em plena pandemia da COVID19, o que se ouve e lê no Brasil? E o ambiente político anima o mercado a investir? Quem sabe não já se passou da hora de colocar em prática uma das frases de Milton Friedman: “Só uma crise, real ou percebida, produz mudança real.”

O que se sente e vê hoje é um choque sanitário e econômico que afeta toda economia mundial, atingindo a todos, mas certamente sufocando e matando os mais fracos e pobres. Priorizar o saneamento deve fazer sentido senão os grandes economistas do Brasil e outros estudiosos não estariam falando nisso e indicando, como na Era Collor, que os investimentos no setor podem alavancar o desenvolvimento.

As características dos serviços de água e esgotos, mormente quando analisadas fora do eixo Brasília – São Paulo, tem relevante peso na escolha dos modelos de gestão e investimentos. Uma oportunidade pode estar no fato de que o setor tem baixo nível de tecnologia operacional e gerencial, além de ainda utilizar quantidade significativa de mão de obra em várias etapas de seus processos, necessitando também de obras de todos os portes para gerar empregos.

Por outro lado, com elevados custos fixos decorrentes dos investimentos necessários em ativos novos e na reabilitação de muitos, o setor de saneamento necessita de um ambiente econômico, social e regulatório equilibrado, para que o dimensionamento de CAPEX e OPEX não resulte na perda da oportunidade de melhorar a gestão dos serviços por meio da utilização de PPPs em seu sentido mais amplo, por exemplo.

Para vislumbrar além do horizonte de forma segura, é preciso de vez em quando olhar para o retrovisor, principalmente quando se vive num ambiente onde esquecer e repetir parece ser mais importante que aprender com a realidade e efetivar mudanças para melhorar. Há 30 anos, pelo menos, em linhas gerais, os serviços de água e esgoto esquecem suas experiências para repeti-las com novas mensagens. Será que é a tese do tanto repetir para um dia dar certo ou alguma outra teoria brasileira?

A realidade econômica mundial que atinge o Brasil também, não parece indicar que repetir planos e projeções anteriores seja o caminho mais indicado. É necessário dimensionar as soluções conforme a sua exequibilidade planejada, pois assim é mais fácil se adequar a crises que toda vez recomeçar. Em pleno século XXI e em meio a uma crise mundial, ilusões podem provocar fortes decepções.

O horizonte à vista mostra um mercado onde prestadores de serviços – públicos e privados – necessitarão de algum tipo de ajuda para prestar os serviços e, de outro lado, usuários sem capacidade para pagar suas faturas mensais reduzirão receitas dos prestadores. Ou seja, é preciso um plano econômico realista e atual.

Observação: Charge obtida no curso de Gestão da Amana Key em 2013.

12 Comentários em “Além do horizonte: saneamento básico, investimentos e saúde pública.

FRANCISCO DE ASSIS MARTINS GOMES REGO
27 de maio de 2020 em 15:54

Parabéns meu amigo Álvaro Menezes.
Abraço.

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Álvaro Menezes
2 de junho de 2020 em 13:55

Obrigado amigo. Abraços.

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Alexandre Portela
27 de maio de 2020 em 16:17

Excelentes considerações com as quais concordo ,amigo Álvaro.
Quando , REALMENTE, o Saneamento será prioridade para nós brasileiros??

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Alvaro Jose Menezes da Costa
28 de maio de 2020 em 09:20

Bom dia. Obrigado mais uma vez por ler e comentar. Abraços

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Elber Menezes da Costa
29 de maio de 2020 em 08:34

Infelizmente Álvaro viemos de uma era de engodo politico socialista e de falta de capacidade gestora desde o Governo Sarney. Além da corruptocracia instalada muito planos feitos e pouca ou nenhuma responsabilização pela inexecução.
Muito se privatizou no passado recente de modo que governos falidos miram agora suas teses privatistas para o saneamento. Não nos iludamos. A privatização não vai levar saneamento à cidades que não o possuem e não vai expandir sistemas em periferias deficitárias ou onde o urbanismo e os entraves ambientais imponham dificuldades adicionais.
A meu ver, o licenciamento ambiental (não os cuidados) e a regularização urbanística tem que descer do pedestal e propor soluções de como fazer sem aumentar o nível das exigências, algumas hoje desconectas com a realidade e capacidade econômica local. A lei 13.465/2017 deu um bom pontapé na questão. Resta saber se os governos e órgãos ambientais se disporão aplicá-la e se deixarão de usar as restrições ambientais como justificativa para não fazer.

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Álvaro Menezes
2 de junho de 2020 em 13:54

Bom a tarde Elber. Obrigado pelos cometários. Abraços.

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Marlon do Nascimento Barbosa
29 de maio de 2020 em 10:01

Amigo Álvaro!

Mais uma vez, parabenizo-te pelo teu excelente artigo. Reitero o que já disse em outras oportunidades para você: o que importa, no Brasil, é a seriedade na condução das políticas de saneamento, seriedade essa reforçada por um ator fundamental: o ente regulador. Efetivamente, com uma regulação eficiente, seja prestador público ou privado, as coisas caminharão. Muito obrigado por nos brindar, mais uma vez, com teu excelente trabalho!

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Alvaro Jose Menezes da Costa
29 de maio de 2020 em 10:14

Caro amigo.
Obrigado mais uma vez pelo comentário. Como já lhe disse, seus comentários sempre motivam a escrita de novos textos. Abraços.

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NEWTON AzEVEDO
29 de maio de 2020 em 10:38

Amigo a clareza do seu raciocínio é o que falta na cabeça daqueles que nos governam
Parabéns.

Responder
Álvaro Menezes
2 de junho de 2020 em 13:54

Obrigado amigo. Abraços.

Responder
Edna Nunes
29 de maio de 2020 em 20:37

Excelente artigo!Parabéns.

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Alvaro Jose Menezes da Costa
30 de maio de 2020 em 08:40

Bom dia. Muito obrigado mais uma vez por ler os textos e incentivar novos temas. Abraços.

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