Aprendizados para e no saneamento.

Muitas visões, falta de planos e decisões. Copo meio cheio x meio vazio numa charge de Adão Iturrusgarai.

Publicado também no site www.ambienteonline.pt em Lisboa.

Enquanto a pandemia do novo coronavírus atinge sem distinção países ricos e pobres, causando e deixando como herança situações econômicas de difícil previsão e mitigação de seus efeitos, no Brasil o caos sanitário tem como reforço e indutor um pandemônio político e ideológico, que torna o porvir bem imprevisível e até assustador.

Neste imbróglio nunca visto, o chamado setor de saneamento básico é um dos atingidos. De um lado por ser serviço essencial, necessário a vida de qualquer cidadão ou cidadã, de outro por estar entregue a própria sorte ou, quando muito, a tentativas de melhoria que visam muito mais investimentos e contratos juridicamente perfeitos que a eficiente gestão dos serviços.

Tanto pelo Governo Federal como por outros setores da sociedade, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, partes do saneamento básico, surgem como protagonistas da imaginada recuperação econômica do Brasil a partir do fim dos efeitos da pandemia. Diz-se que há bilhões de reais disponíveis e que muitos operadores e fundos de investimentos só esperam a bandeirada do Governo para iniciar a corrida.

Até em países desenvolvidos o clima entre empresas e investidores é de “wait and see”. Surpreende ver que o Brasil retomará seu papel de potência do século XXI após tão grave crise. Ainda que se deseje ocultar a insegurança de um ambiente político dominado por interesses particulares e eleitorais, frágil ambiente regulatório e o agravamento da condição socioeconômica da população mais desempregada e sem renda após a pandemia, apesar dos efetivos esforços do Governo Federal, fica difícil visualizar o que o Governo diz.

Como então imaginar que o setor de saneamento será um dos carros-chefes desta corrida rumo ao desenvolvimento em seu amplo e necessário sentido? Existe algum plano que não seja o que aponta os investimentos privados como salvação? Existe algo organizado que tenha resultado do conhecimento de como funcionam e estão hoje os serviços de água e esgotos em cada cidade ou região do país?

O modelo vigente, já vencido pelo tempo e pelos resultados obtidos que atestaram a eficácia da modelagem do século XX, é um desafio institucional pois carrega boas intenções de origem que mostram barreiras institucionais, jurídicas e até técnicas que precisam ser atualizadas para as novas demandas e realidades locais.

Muitos estão envolvidos nos serviços de água e esgotos gerando um processo desafiador: município poder concedente; operador pode ser municipal, estadual ou privado; regulação pode ser municipal, estadual ou por bacia, podendo agência pública regular operador público; Governo Federal é o grande financiador; apenas estatais ou serviços municipais ricos podem acessar a financiamentos; leis, portarias e normativos para obtenção de financiamentos e regulação não tem uniformidade e ainda, os interesses políticos locais podem mudar tudo quando desejam.

A condição atual e, fundamentalmente a de futuro breve, exige um plano que vá além da expectativa por investidores privados. Os serviços de saneamento básico, principalmente água, esgoto e resíduos sólidos, precisam estar na visão estratégica nacional. É necessário ter um plano de gestão, planejamento e regulação que possa estabelecer normativos nacionais que se adequem às realidades locais e regionais para os 5.570 municípios.

Se há necessidade de investir bilhões por ano para universalizar, é preciso saber como isto poderá ser feito. Há algumas vantagens e aprendizados que podem acelerar a realização de investimentos e a melhoria da gestão dos serviços, como por exemplo o PLANSAB, alguns Planos Municipais, as experiências de PPPs e concessões em andamento, os serviços de estatais e autarquias que tem bons resultados. Além de tudo, a legislação atual é suficiente para avançar.

No Brasil havia, segundo o SNIS 2018, água e esgotos, 1.568 prestadores de serviços, sendo 996 da administração direta, 427 autarquias, 30 sociedades de economia mista, 6 empresas públicas, 106 empresas privadas e 3 organizações sociais. As companhias estaduais de saneamento estavam presentes em 72% aproximadamente dos município. Deste universo, sem dúvidas, bons aprendizados podem surgir.

Este contingente de operadores possuía uma força de trabalho, segundo o SNIS 2018, de 217,9 mil trabalhadores, sendo 66,6 mil terceirizados. Com os investimentos feitos e baseado em relatório do BNDES, o SNIS aponta que foram gerados 697,5 mil empregos diretos, indiretos e efeito de renda para o mercado nacional. Ou seja, o setor de saneamento, mesmo com as ineficiências decenais que carrega, possui números interessantes. Se melhorarem a gestão e a regulação, os avanços podem ser maiores.

Desta maneira, com os aprendizados da história recente e com o aprendizado deste tempo de COVID19, talvez possa se compreender que sem um plano nacional elaborado pelas três esferas de governo, será muito difícil ter solução via dinheiro privado a curto prazo. O Brasil precisa passar confiança, para isso precisa ter planos. Precisa agir rápido, de modo coerente e racional para evitar que novos vírus não venham a expor a permanente incapacidade de gestão sanitária.

9 Comentários em “Aprendizados para e no saneamento.

Marlon do Nascimento Barbosa
21 de maio de 2020 em 09:21

Prezado Amigo Álvaro!

Como sempre, a leitura dos teus artigos é um grande prazer, dada a lucidez, conhecimento e clareza que neles se fazem sempre presentes.

Mais uma vez, te digo: no setor do saneamento, parece ser muito mais interessante trazer fórmulas perfeitas no papel do que resolver efetivamente o caos.

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Alvaro Jose Menezes da Costa
22 de maio de 2020 em 10:19

Caro amigo Marlon, muito obrigado mais uma vez por ler meus textos e apresentar sempre seus comentários.Abraços.

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Waldeck Stevens de V Egito
21 de maio de 2020 em 18:06

Brilhante.

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Alvaro Jose Menezes da Costa
22 de maio de 2020 em 10:20

Olá amigo Waldeck. Obrigado.

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João Marques
21 de maio de 2020 em 19:55

Parabéns pelo artigo. Temos que continuar a luta.

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Alvaro Jose Menezes da Costa
22 de maio de 2020 em 10:20

Bom dia João Marques, é isto. Continuar falando e lutando. Abraços.

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Pedro Mota
21 de maio de 2020 em 19:59

Suas observações e conteúdo é exatamente o que passamos. O saneamento realmente precisa de um Norte. Já embates que não levam a nada, pelo contrário, há um espaço GIGANTE tanto para as atividades públicas e privada, grã realmente um plano que contemple todos e que vença a comunidade com bons serviços, qualidade e tarifas justas. Bela matéria. Parabéns.

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Cezar de Oliveira
22 de maio de 2020 em 18:08

Uma excelente explanação da condição do Saneamento no Brasil.

Naturalmente nos remete a uma condição de avaliação do tamanho do desafio.

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Álvaro Menezes
26 de maio de 2020 em 16:26

Obrigado.Abraços.

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