Saneamento Básico descobre o século XXI vinte anos depois.

Será que o setor de saneamento vai acordar enfim, no século XXI depois da COVID19?

Sem messianismos, ideologias ou demonstração de religiosidade, do Eclesiastes 11:4 – “Quem fica observando o vento não plantará, e quem fica olhando para as nuvens não colherá”, e do momento atual emblematicamente representado pela pandemia do novo coronavírus, espera-se que o setor de saneamento possa acordar e descobrir que depois de 20 anos, o século XXI já começou e nem notou-se.

Retrospectivamente é fácil comprovar que as discussões e soluções propostas para superar as ineficiências e universalizar, estão em discussão desde 1995, no século XX. Isto não significa afirmar que não ocorreram avanços legais, regulatórios, técnicos, financeiros e políticos, entretanto, comparado com outros setores de saúde pública e infraestrutura, as mudanças não foram sustentáveis.

Enquanto os telefones públicos viraram peças de museu e a energia elétrica chega a 100% dos lares, ainda que com as ineficiências que estes serviços conseguem ocultar dada as suas características técnicas, tecnologias e ambiente regulatório, o serviço de abastecimento de água sustenta padrões do século XX e o esgotamento sanitário de modo claudicante, avança aqui e ali.

Avaliando o SNIS 2018, se constata que as populações urbanas ditas atendidas, ainda estão relativamente distantes de alcançar a totalidade daquelas residentes em áreas urbanas. Cerca de 12 milhões de habitantes urbanos nas cidades não tem água fornecida por serviços públicos. A tal população atendida, não tem água todo dia nem toda hora em muitas cidades.

É claro que a desigualdade sanitária não está descolada da econômica, pois como se vê na tabela adiante, na região Norte, 3,6 milhões de pessoas não tem água segundo os critérios do SNIS. O Sul apresenta o melhor desempenho.

Quando se faz uma avaliação mais ampla da situação por Estado, fica mais evidente onde estão as maiores necessidades de equilíbrio entre as populações urbanas. Alguns poucos Estados quase atingiram 100% de atendimento, enquanto outros chegam a 60% de déficit populacional. Em algumas regiões do Brasil, há também registros no SNIS de 100% de população urbana atendida em municípios do Sul e Sudeste principalmente.

Por que a pandemia pode ser o “despertador” dos serviços de saneamento brasileiros?

O Governo Federal abandonou os serviços de saneamento à própria sorte, na medida em que não os considerou como serviços essenciais, o que pode dificultar auxílios futuros para um setor onde ineficiência gerencial e resultados financeiros ruins é quase uma regra.

Ainda não se vê publicamente o efeito econômico do novo coronavírus no setor de saneamento, especificamente neste caso, nas operadoras públicas e privadas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Por certo, no entanto, a receita caiu, a inadimplência tende a aumentar, as despesas operacionais com a manutenção dos serviços aumentou e os custos gerenciais decorrentes de novas modalidades de trabalho poderão trazer impactos também.

O futuro não parece tão seguro de que trará de volta, pelo menos, as condições existentes antes da pandemia. Reajustes tarifários possivelmente não acontecerão e muitos clientes terão dificuldade em pagar suas contas mensais. Os planos de investimentos deverão ser revistos para se adequar ao ano que não começou. Contratos em andamento, desde concessões a fornecimento de serviços/bens, deverão também passar por adequações.

A resiliência é uma marca no setor, talvez infelizmente, pois ao longo do tempo se amoldou a mudanças decorrentes de interesses particulares. Diferente dos setores de energia e telecomunicações, inseridos em estratégias nacionais de desenvolvimento e até segurança nacional, o de saneamento ficou à mercê de municípios e Estados, independente da capacidade desses entes poderem cuidar dos serviços como essenciais à saúde pública e ao desenvolvimento econômico.

O Governo Federal tem falado muito na economia e na saúde como fatores indissociáveis para manter o Brasil em desenvolvimento. Deveria observar que a saúde que mais contribui para o desenvolvimento é obtida por meio da prevenção, ai se incluindo primordialmente o saneamento básico.

O parágrafo a seguir encerra este texto. Será que vem de um país subdesenvolvido ou em desenvolvimento? Não, vem de um país da União Européia, Portugal e foi escrito pelo Professor Jaime Melo Baptista no artigo “O que é que o sector de água deve aprender com a pandemia COVID19?”. Sem dúvidas, para despertar no século XXI o Brasil precisa ter o saneamento básico como um estratégia nacional, não como um “pacote” a ser vendido em leilão.

“Nos serviços de águas temos assim que aproveitar este contexto de mudança para uma redefinição mais afirmativa da estratégia nacional, assegurando continuidade e qualidade dos serviços, mas com maior eficiência e resiliência, e protegendo os mais desfavorecidos. Temos que reforçar o incentivo à inovação. É uma oportunidade para o reforço da internacionalização e da cooperação internacional pelo desenvolvimento e pela paz. É o momento para melhorarmos a organização das entidades gestoras e valorizarmos os profissionais da água.”

8 Comentários em “Saneamento Básico descobre o século XXI vinte anos depois.

Edna Nunes
8 de maio de 2020 em 10:23

Interessante.

Responder
Álvaro Menezes
8 de maio de 2020 em 16:52

Muito obrigado.

Responder
Joper Padrão
8 de maio de 2020 em 14:05

Prezado Alvaro. Apropriada a sua visão. Após a Pandemia a Sociedade precisará construir um “novo normal” e, no caso do setor de saneamento, teremos que ter empenho e competência para minimizar as discrepâncias que hoje deixam desprovidos grandes contingentes populacionais desse serviço essencial à saúde. Parabéns pelas reflexões que nos oferece. Joper Padrão

Responder
Álvaro Menezes
8 de maio de 2020 em 16:54

Amigo Joper, obrigado pela leitura e comentários. Eu diria que padecemos de coragem para inovar em todos os sentidos, mas o desafio maior é na gestão. Vamos trabalhar para acordarmos deste pesadelo melhores.Abraços

Responder
Raimundo Alberto Diniz
11 de maio de 2020 em 14:52

Prezado Álvaro,meus parabéns pelo artigo e agradecimentos pelas suas constantes contribuições para o setor de saneamento. Teria uma dúvida: tornar o setor de saneamento como uma condição estratégica e não um pacote para leilões, seria uma permanência na estatização buscando eficiência na gestão? Ou privatizações com mais responsabilidades?

Responder
Álvaro Menezes
16 de maio de 2020 em 14:22

Prezado amigo Raimundo, obrigado pelo comentário e retorno.
A segunda pergunta está mais associada ao que penso. As concessões para privados ou parcerias clássicas como as PPPs, se assemelham a cloroquina/hidroxicloquina, antes de aplicar o remédio é preciso conhecer a doença, suas causas, o paciente e como ele viverá depois de tomar o remédio se for preciso. É necessário e obrigatório ter estudos técnicos, econômicos e jurídicos feitos com bases realistas e integrados. Além disso, o ambiente político precisa ser de compreensão e conhecimento do que se pode fazer. PPP não é presente do privado para o público nem vice-versa.
Abraços.

Responder
Sérgio Coelho da Silva
11 de maio de 2020 em 22:57

Como sempre muito proveitoso o que escreves. Talvez precisemos nos perguntar o que se pode fazer para despertar na sociedade mais ainda, a importância do saneamento. Pois só dessa forma estará na cabeça das nossas lideranças políticas.
Grande abraço!

Responder
Álvaro Menezes
16 de maio de 2020 em 14:24

Prezado Sérgio, obrigado.
É isto, não sei se felizmente ou infelizmente, tudo começa e pode terminar no ambiente político. Os governantes, políticos e o próprio judiciário precisam entender como funcionam os serviços de saneamento e quais as formas de solucionar as deficiências.
Abraços.

Responder

Deixe uma resposta para Raimundo Alberto Diniz Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *