Hermenêutica no saneamento: a arte de discutir, propor e não decidir.

Novo marco regulatório aprovado: hora de planejar e decidir como atingir as metas.

A palavra Hermenêutica tem origem grega e significa a arte ou técnica de interpretar e explicar um texto ou discurso. No Direito, consiste em enquadrar um caso concreto na norma jurídica adequada.

Se no Direito as técnicas de interpretação como analogia, costume, princípios gerais do Direito e a equidade são utilizadas para sua aplicação, no saneamento, notadamente para abastecimento de água e esgotamento sanitário, estas técnicas parecem ser utilizadas com o acréscimo de ideologias e política.

Há anos, bem antes do chamado “novo marco regulatório”, as técnicas de hermenêuticas tem servido para adequar os variados entendimentos sobre privatização de serviços públicos, municipalização, superávit e lucro na prestação dos serviços, papel social dos prestadores públicos e subsídios cruzados, entre outras coisas.

Sem dúvidas, salvo engano, este exercício hermenêutico rendeu bons frutos como a mudança de governança em algumas companhias estaduais, a participação de empresas privadas em concessões e PPPs, a melhoria da eficiência de serviços municipais, a lei nº 11.445/2007 e seu decreto de regulamentação e o PLANSAB, como macroreferências dos avanços, além da implantação da regulação.

Mesmo assim, dir-se-ia que até por consequências naturais, há necessidade de mudanças e ajustes para que os brasileiros de todas as regiões possam ter direito a 100% de água e pelo menos 90% de esgotamento sanitário em prazos realistas e seguros. Os indicadores atuais mostram que os índices de atendimento ou estagnaram ou regrediram em alguns locais.

Uma das coisas que a prática da hermenêutica relegou no saneamento foi adequar à realidade o peso da ingerência política, do sindicalismo ideológico partidário e do corporativismo autofágico na desqualificação do modelo de prestação dos serviços públicos pelas organizações públicas. Qual o peso real dessas práticas para se chegar ao momento atual?

Não dá para imaginar que é possível mudar o presente e o futuro corrigindo o que passou. O passado não pode ser alterado. Todos os problemas enfrentados pelos prestadores públicos, notadamente as Companhias Estaduais, resultaram em muitos casos na falência econômica. Contabilidade e finanças não tem soluções legais mágicas, principalmente em Estados pobres.

É preciso agora, com o chamado “novo marco regulatório”, enfrentar o presente entendendo que nem toda Companhia pode ser a SABESP ou a SANEPAR. Poucos Estados brasileiros podem capitalizar suas Companhias e outro bom número, mal consegue financiamentos ou mesmo condições de dar garantias para PPPs.

Ou seja, o presente obriga a busca de alternativas porque a população não pode ser mais prejudicada esperando que a hermenêutica do saneamento, entre outras coisas atuais, prove que a remunicipalização na Alemanha ou na França ou na Espanha é a nova ordem mundial.

Como em outros textos, já se expôs a opinião de que sobram exemplos no Brasil de modelos que podem ser referência, no entanto, o copiar/colou que sempre se buscou como fórmula mágica e imediata, nunca deu certo. É preciso assumir a realidade e traçar planos adequados a cada região e local. É hora de decidir com base em referências realistas e exequíveis.

O papel do Governo Federal no saneamento sempre esteve também enquadrado na perfeita hermenêutica do saneamento, pois, embora financiador nato e quase único, nunca se preocupou em fazer do saneamento uma questão nacional de fato. É claro também que o modelo institucional imposto pela Constituição de 1988 não facilita também. Ou seja, seu papel decorreu e decorre do modo como interpretam suas atribuições.

Assim, agora é hora de entender onde e como será possível ter 100% de abastecimento de água e 90% em esgotamento sanitário e como serão investidos até R$ 750 bilhões – novo número! – até 2033; como se adequarão as Companhia Estaduais a esta nova meta em um ano e, enfim, como a iniciativa privada se capacitará para assumir os serviços projetados em tão pouco tempo, além é claro, o que mudará nos Governos Estadual e Municipais e qual o grau de segurança na mudança.

Saindo um pouco da hermenêutica e pensando no mundo real, ficaria uma reflexão sobre os modelos propostos pelo BNDES para Alagoas e Rio de Janeiro: as novas CASAL e CEDAE reduzidas de tamanho e escopo, manterão seu modelo societário ou adotarão um novo tipo?

 

15 Comentários em “Hermenêutica no saneamento: a arte de discutir, propor e não decidir.

JOÃO BAPTISTA COMPARINI
25 de junho de 2020 em 11:18

Prezado,

Há questões que precisam ser decididas de uma vez e que, em não sendo, de nada adianta lei. Aponto algumas poucas a seguir:
1- Sem financiamentos de longo prazo (50 anos p. ex., principalmente em esgoto) não é possível avançar.
2 Sem investimento a fundo perdido (como os EUA, capitalista veja só, fizeram no passado), a imensa população de baixa renda não conseguirá pagar a tarifa.
3 – Sem gestão e governança, o fracasso permanecerá.
4 – Sem regulação, verdadeiramente isenta e “o mais imune possível” aos cantos e encantos de sereias, não vai.
Abraço.

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Álvaro Menezes
6 de julho de 2020 em 23:03

Caro Comparini, muito obrigado pelo retorno. Concordo com sua opinião. Não será mais uma lei que mudará se continuarem fazendo o mesmo pensando em resultados diferentes. Abraços.

Responder
Alexandre Portela de Holanda Cavalcanti
25 de junho de 2020 em 12:22

Excelentes considerações ,amigo Álvaro,,!!
Vamos ver se ,agora , diferente de várias promessas anteriores,o Saneamento será prioridade MESMO!!
Abraços.

Responder
Alvaro Jose Menezes da Costa
26 de junho de 2020 em 07:12

Obrigado amigo, pelos comentários. Isto, será que será diferente? Vamos trabalhar para ser. Abraços.

Responder
NEWTON AzEVEDO
25 de junho de 2020 em 12:25

Amigo o Marco e’ necessário mas não é suficiente
Seu artigo é um ótimo alerta
Abs NEWTON

Responder
Alvaro Jose Menezes da Costa
26 de junho de 2020 em 07:12

Obrigado mais uma vez pela leitura e comentários. Abraços.

Responder
Carlos Cardoso
25 de junho de 2020 em 17:11

Amigo Álvaro
Texto atual e muito claro. Tenho minhas dúvidas de chegaremos em 2033 com as metas atingidas e, como você disse, com tantas realidades diferentes num país continente, com problemas políticos muito conflitantes. Porém, já há uma luz no fim do túnel.

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Alvaro Jose Menezes da Costa
26 de junho de 2020 em 07:11

Olá amigo,obrigado pela leitura e comentários.Para mim, 2033 é letra morta como tantos outros planos,mas acho que o Governo Federal terá papel muito relevante para que esta alteração da lei 11.445/2007 se torne exequível.Se o Governo Federal imagina que vai dar o tiro de largada e depois ficar na linha de chegada vendo os privados chegarem, vai ser muito ruim…Abraços

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Sérgio Xavier dos Santos
26 de junho de 2020 em 13:10

Amigo Álvaro,
Embora o Marco Regulatório do Saneamento aprovado não seja como desejávamos, agora temos de procurar fazer o melhor que pudermos com ele.
Excelente texto.
Parabéns e Abraços.

Responder
Álvaro Menezes
6 de julho de 2020 em 23:04

Olá amigo Sérgio. Isto. Temos que trabalhar. Abraços.

Responder
Cid Carlos
28 de junho de 2020 em 13:46

É importante frisar que mesmo reduzindo se o tamanho, a CASAL como órgão essencial ao desenvolvimento do saneamento em Alagoas, esteja presente nas ações que irão pautar as necessidades do atendimento aos Municípios do Interior de Alagoas! Não li ainda, sobre o formato do “Novo Marco Regulatório do Saneamento”, então, não sei como será o papel da CASAL com relação tanto a chamada “Região Metropolitana”, quanto ao restante dos Municípios do Interior do Estado! Digo isso, porque a CASAL, mais do que outro órgão do Estado é quem conhece as necessidades dos Municípios e o funcionamento técnico operacional das unidades existentes! Então, fiquei surpreso quando li o escopo do projeto do futuro leilão da Outorga, onde se coloca a ARSAL como órgão fiscalizador dos investimentos e obras que deverão ser feitas pelas empresas privadas!Em face disso, o principal é como você citou no final : “As novas CASAL e CEDAE reduzidas de tamanho e escopo, manterão seu modelo societário ou adotarão um novo tipo”?

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Alvaro Jose Menezes da Costa
30 de junho de 2020 em 09:30

Caro Cid, mais uma vez obrigado por ler o meu texto e expor suas opiniões sempre relevantes. Você mostra a preocupação de quem conhece o serviço e suas nuances. De fato, apesar dos estudos e das discussões, tanto o projeto do BNDES para a CASAL como o “novo marco regulatório”, exigirão mais responsabilidade do poder público em suas três dimensões. Vamos acompanhar e participar, como você faz, para contribuir com críticas realistas.Abraços.

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Antonio Francisco Arrigoni
28 de junho de 2020 em 15:16

Álvaro, texto bem elaborado. Também tenho estas dúvidas. Tem que ter vontade política, porque mesmo com recursos nada acontece. Você conhece nossa Cidade que além dos recursos do BID tem mais R$38.000.000,00 da Fundação RENOVA, projetos executivos para SES e tudo parado.

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Álvaro Menezes
6 de julho de 2020 em 23:06

Olá amigo Arrigoni. Muito bem posto. Ter leis, às vezes até dinheiro, não resolve se não houver gestão pública efetiva. Abraços.

Responder
JORGE ROMUALDO DE OLIVEIRA
6 de julho de 2020 em 15:59

Chegou a ora de sabermos se tudo não era uma falácia. Para o bem das comunidades/população vamos torcer que se cumpra o que foi debatido e proposto .Se não forem apenas promessas políticas vai ser bom para todos. Abraços e boa sorte.
Jorge Romualdo.

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