Contratos de programa: mito ou realidade?

Os contratos de programa poderiam ter sido uma forma de dar sustentabilildade às Companhias Estaduais de Saneamento

Quando a lei nº 11.107/2005 trouxe para o setor de saneamento a figura do contrato de programa, estabelecendo compromissos voltados para eficiência, qualidade e sustentabilidade dos serviços prestados por Companhias Estaduais, houve uma certa esperança de que estas empresas públicas poderiam escapar da má gestão decorrente das ingerências e interferências políticas.

Afinal, passariam a contar com um instrumento legal que se embasava na gestão associada de entes públicos, protegido por convênios de regulação e metas contratuais definidas. Porém, fiel a sua realidade de País continental com múltiplas e desiguais realidades, logo se viu que o documento era muito mais para assinar que para cumprir.

Ainda que as Companhias Estaduais tenham a seu favor como verdade objetiva, o fato de trabalharem em ambientes adversos, sujeitas aos impactos decorrentes das obrigações políticas e sociais que tem que assumir independente ou melhor, sem direito a qualquer contrapartida governamental como subsídios reais, elas não conseguiram aproveitar as “vantagens” para elas, dadas pelos contratos de programa.

Serem contratadas mediante mera negociação com Prefeitos e Câmaras de Vereadores, normalmente com a pauta eleitoral superando as de saúde pública, social, econômica, técnica e ambiental, e mais ainda, protegidas contra a participação de sócios privados majoritários para manutenção de seu vínculo com a administração indireta, lhes daria grande vantagem.

Agora, a lei nº 14.026/2020, acaba com os contratos futuros e dá prazo para que os atuais se enquadrem em normas de eficiência e metas, como já deveriam ser. Observando a Tabela a seguir, vê-se que em 2018, segundo o SNIS, havia um cenário decepcionante para as Companhias Estaduais e animador para o que o chamado “novo marco” propõe.

Cerca de 26,3% dos municípios tem delegação vencida ou nem tinham delegação. A situação do Nordeste chama atenção, pois responde por 71% do total de delegação vencida mais sem delegação. Será um excelente mercado?! Salvador não tem contrato de programa e outras cidades grandes para a região também, embora estejam em ambientes desafiadores de baixa renda per capita e escassez hídrica real.

O Gráfico a seguir faz uma comparação direta na situação que havia em 2007 e a existente em 2018, segundo o SNIS.

O Nordeste, para os anos referenciados, foi a região onde houve maior redução de municípios com delegação, além de ter tido os maiores aumentos no número de delegações vencidas e sem delegação. Por sua vez, a região Sul apresentou maior aumento no número de delegações e maiores reduções nos casos de delegações vencidas e sem delegação.

O desafio está posto pela própria lei nº 14.026 ao propor, entre outras coisas, a prestação de serviços regionalizada, que poderia ser desenhada a partir deste cenário de falta de contratos de delegação ou de contratos vencidos, por exemplo, até para testar a ideia.

Muitas expectativas estão lançadas pelo Governo Federal a partir de números grandiosos de R$ 600 a R$ 700 bilhões em novas obras até 2033, superando de longe o PLANSAB. O Governo aposta na explosão de contratos com privados, esquecendo a máxima do ex-deputado e ex-ministro Delfim Neto que afirmou: “O capital é como água. Sempre flui por onde há menos obstáculos”.

Finalmente, as mudanças legais trazidas pela nova lei podem ser um alento ao pobre Brasil rico, sempre avesso a mudanças e que pensa em mudar fazendo o mesmo de sempre. Todavia, como dizia Ariano Suassuna: o realista esperançoso é aquele que acredita sem perder a razão, nem se deixar levar por ilusões. As Companhias Estaduais de Saneamento Básico precisam ser realistas esperançosas, mormente agora e efetivamente mudar seus modelos de gestão, num desafio monumental para quem há anos trabalho em ambientes adversos e com baixa dedicação a manutenção de eficiência empresarial.

Uma questão a ser posta como reflexão que não encerra as discussões, mas abre caminhos para revisões futuras é perguntar se vale mesmo a pena impedir as CESBs de firmar contratos de programa, se com certeza haverá municípios – não poucos – os quais, mesmo reunidos em áreas regionalizadas, não serão atrativos para operadores privados. E aí? Ou se imagina que os privados realmente se interessarão por todos os locais?

O desafio de hoje está muito maior para o Governo Federal que precisará instrumentar a ANAS para apoiar fortemente a regulação e, sem dúvidas, começar a pensar como subsidiará as áreas regionalizadas mais pobres. O setor elétrico tem a tarifa social amparada por um complemento financeiro que mantém a valor da fatura mensal integral para o prestador dos serviços. A tarifa social no setor de saneamento, é subsidiada pelo povo e pela receita de Companhias muitas vezes falidas.

10 Comentários em “Contratos de programa: mito ou realidade?

Marlon do Nascimento Barbosa
26 de agosto de 2020 em 15:05

Prezado Amigo Álvaro,

Como sempre, parabéns pelas tuas colocações.
Eu concordo inteiramente com você. O que falta no Brasil não é modelagem jurídica, desta ou daquela maneira. Prestadores públicos, privados, contratos de concessão ou de programa, nada disso vale se não houver gestão séria dos serviços de saneamento com uma regulação igualmente séria.

Muito obrigado por nos brindar com belos textos e siga firme!

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Alvaro Jose Menezes da Costa
27 de agosto de 2020 em 09:58

Prezado amigo.
Mais uma vez obrigado por ler meus textos e enviar seus comentários que me motivam a buscar contribuir, modestamente, com minhas opiniões sobre as realidades do saneamento.
Sempre há desafios, mas o maior deles, para mim, ainda é o poder público entender seu papel na gestão dos serviços públicos.
Abraços.

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Gabriel Jamur Gomes
27 de agosto de 2020 em 11:00

Caro Álvaro,

Bom dia.
Parabéns. Achei muito bom o artigo, vou utilizá-lo nas minhas aulas e disponibilizarei aos meus alunos.

Responder
Alvaro Jose Menezes da Costa
31 de agosto de 2020 em 08:23

Bom dia. Agradeço e fico honrado pelo uso do meu texto pelo amigo.
Abraços.

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Rosa Tenório
27 de agosto de 2020 em 11:02

Meu caríssimo Álvaro,

Texto lúcido e esclarecedor. Obrigada!

Responder
Alvaro Jose Menezes da Costa
28 de agosto de 2020 em 14:31

Amiga Rosa, obrigado.

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Eduardo Castagnari
27 de agosto de 2020 em 11:32

Caro amigo Álvaro,

Muito lúcida e oportuna sua análise sobre o impacto nas companhias estaduais e no saneamento do Brasil decorrente do fim dos contratos de programa. Creio que o setor privado responderá bem ao desafio proposto pelo novo ambiente de negócios. Claro, que em muitos casos será adequado a utilização de soluções regionalizadas, desde que alicerçadas em modelagens realistas e competentes.

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Alvaro Jose Menezes da Costa
31 de agosto de 2020 em 08:21

Prezado Eduardo, muito obrigado por ter tido tempo para ler o texto e principalmente, enviar oportunos comentários.
Abraços.

Responder
Dante Ragazzi Pauli
27 de agosto de 2020 em 12:22

Ótima reflexão, amigo. Espero que a Lei 14026 não se transforme em outro “mar de ilusões”. Em minha opinião, a probabilidade disto ocorrer não é desprezível. Forte abraço.

Responder
Alvaro Jose Menezes da Costa
28 de agosto de 2020 em 14:32

Amigo Dante, obrigado. Sempre há este risco. Filmes antigos se repetem no Brasil, às vezes com atores diferentes mas mesmo roteiro e falas…
Abraços.

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