O dilema social do saneamento

Cenário de mudanças não pode apenas incentivar a competição pelos melhores mercados.

Aproveitando a apropriada reflexão do documentário da NETFLIX o “Dilema das redes” ou como é mais racional entender “The Social Dilemma”, é interessante para o momento que o país atravessa pensar no dilema social do saneamento no Brasil.

Para avançar nas análises e reflexões, é bom  trazer à baila a definição da palavra chave deste texto. Assim, dilema, segundo os dicionários definem filosoficamente, é o “raciocínio que parte de premissas contraditórias e mutuamente excludentes, mas que paradoxalmente terminam por fundamentar uma mesma conclusão.”

O dilema social do saneamento se assemelha ao que se desenha também no documentário citado quando se estabelece a relação entre operadores privados e públicos como inseridos em uma relação de utopia x distopia, a julgar pela visão de quem se posiciona contra ou a favor, embora a realidade teimosamente indique que o mundo existente nem é utópico, nem distópico, em alguns casos.

Não sendo este texto um escrito puramente técnico, mas em esquecer a necessidade de olhar tecnicamente para o mundo utópico x distópico desenhado para o saneamento nacional, não teria já passado o tempo de enxergar a necessidade de melhorar a qualidade dos serviços a partir de oportunidades para a sociedade e não para grupos específicos?

Sem dúvidas, pelas características sociais e econômicas, o desafio de melhorar a qualidade dos serviços e universalizar levando água e esgotamento sanitário para todo mundo, sem exclusões, é um desafio que não se mede pelos bilhões de investimentos necessários. Não é pelo CAPEX de um projeto/contrato ou da outorga no leilão que se garante a certeza do atendimento.

A universalização, palavra fundamental no dilema social do saneamento, tem relação direta com as externalidades do setor, as quais, por sua vez, se conectam intimamente com as condições  e fatores, entre outros, que influenciam no movimento da balança da figura a seguir.

Discute-se hoje, exatamente como há 20 ou 22 anos atrás, como levar serviços para toda população em áreas urbanas, cada vez mais necessitadas e áreas rurais, cada vez mais abandonadas. Porém, apesar dos avanços reais nos modelos de prestação de serviços e alguns resultados relevantes nas cidades mais ricas, o foco ainda é a discussão entre quem é melhor: operador público -notadamente as Companhias Estaduais- ou operador privado?

Os modelos planejados e as visões do Governo Federal podem contribuir para que o mundo real comece a ser construído de modo sustentável, sem que haja tendências forçadas para este ou aquele tipo de operador. Porém, não pode se desconhecer o desafio de atender aos milhões de habitantes de áreas periféricas de zonas urbanas ou rurais, os quais não tem condições de pagar as tarifas já praticadas por Companhias Estaduais.

Para tanto, ainda que pareça um inicio de mudanças, excluir populações, por qualquer critério, indica fragilidade no modelo, levando a se questionar se a ideia é Darwiniana de “adequação das espécies sobreviventes” ao modelo de auto serviço de saneamento ou os serviços públicos reduzidos em escala econômica, suprirão os clientes mais pobres sem ajuda?

De outro modo, imaginar que a união de “filé com osso” é receita que atrairá operadores e capital privado na regionalização Brasil à fora, pode conduzir a modelos visíveis em rodovias e aeroportos, onde prevaleceu a competição por espaços e outorgas, em detrimento da realidade exequível. A mistura do filé com osso só alimentará o mercado enquanto houver filés muito mais suculentos que os ossos.

O dilema social do saneamento sem dúvidas fundamenta a conclusão de que como está não pode continuar, para que se alcance a universalização. Porém, alguns contraditórios merecem atenção para mitigação de riscos que podem impedir o sucesso do objetivo desejado. Entre eles pode-se enumerar:

  • Diagnósticos e prognósticos de engenharia mais realistas, apoiados em efetivo conhecimento da realidade local;
  • Avaliação social e econômica dos mercados a serem atendidos visando a exequibilidade dos contratos, criação de subsídios reais e tarifas justas;
  • Incentivo a autonomia de Estados e municípios para que participem ativamente da definição das soluções para gestão dos serviços;
  • Definição de mecanismos de controle do papel do Estado e Municípios como agentes de fiscalização, controle e regulação dos contratos.

Fotos do Blog: Klickpage e ASCOM/ASSUFBA.

16 Comentários em “O dilema social do saneamento

Carlos
16 de outubro de 2020 em 20:21

Perfeito Alvaro

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Álvaro Menezes
18 de outubro de 2020 em 13:07

Obrigado mais uma vez. Abraços.

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Walter Costa
16 de outubro de 2020 em 21:21

Caro Álvaro, como sempre , você nos traz mais um belo texto e que traz a necessária reflexão ao nosso Setor : como alcançar a universalização nestas zonas de nossas periferias urbanas onde vivem as populações ( milhares ) que não só possuem condições de pagar as tarifas atuais e, mais grave, tanto o Estado quanto o operador privado vão gradativamente perdendo o acesso a estas regiões, entregues à sua própria e triste sorte.

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Álvaro Menezes
18 de outubro de 2020 em 13:13

Boa tarde. Agradeço pela leitura e comentários.Este é o desafio que, aparentemente, alguns transformam mais em CAPEX que gestão de serviços. Abraços.

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Luiz Aversa
16 de outubro de 2020 em 21:37

Que tal discutir quando vamos universalizar os serviços de saneamento com quem quer que seja o operador !

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Álvaro Menezes
18 de outubro de 2020 em 13:13

Boa tarde. Boa provocação. Obrigado e abraços.

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Waldeck Stevens de V Egito
17 de outubro de 2020 em 08:03

Difícil separar o papel social do Estado da ferocidade visão de lucro do Setor Privado.

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Alvaro Jose Menezes da Costa
18 de outubro de 2020 em 13:05

Obrigado amigo por mais um comentário. Quem controla a “ferocidade” do privado é o contratante por meio de bons projetos/estudos que levam a bons contratos. Depois o contratante tem que ser competente na fiscalização e controle, além de ser papel do Estado/Poder público, a regulação autônoma e competente.Na minha opinião, respeitando a sua, se os Estados e Municípios em Geral tivessem agido assim desde 1985, algumas Companhias Estaduais teriam prestados melhores serviços e poderiam continuar. Vamos acreditar que o Poder Público saberá agora cumprir seu papel e a sociedade também, pois isto ajudará Companhias e Serviços Municipais eficientes. Abraços.

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MARIO CEZAR GUERINO
19 de outubro de 2020 em 16:27

Excelente análise, Álvaro!

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Álvaro Menezes
21 de outubro de 2020 em 14:17

Obrigado. Abraços.

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Marlon do Nascimento Barbosa
20 de outubro de 2020 em 11:16

Amigo Álvaro,

Mais uma vez, parabéns. Em relação ao teu texto, concordo e destaco especialmente a participação imprescindível dos municípios no processo de universalização, pois somente com os devidos esclarecimentos e com o engajamento dos atores municipais é que será possível avançar nas políticas públicas de saneamento.

Continue nos brindando com teus ótimos textos!

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Álvaro Menezes
21 de outubro de 2020 em 14:17

Olá amigo.Obrigado mais uma vez pelo retorno e comentários.
Abraços.

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Romildo Guerrante
20 de outubro de 2020 em 18:02

Só acredito na viabilidade da universalização se isso for deixado claro como política de Estado. Reconhecer que vivemos uma situação trágica, de acúmulo constante de agentes de poluição nos nossos mananciais porque não se faz tratamento de esgoto. Tratamentos cada vez mais onerosos, comprometendo a liquidez lá na ponta. Vai dar um nó. Imaginar que os povos litorâneos poderão suprir-se de água dessalinizada também é um sonho que pode inviabilizar-se nos custos energéticos. Ou se faz um grande pacto nacional para buscar solução ou vamos continuar fazendo remendos e discutindo minúcias da má prestação de serviços.

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Álvaro Menezes
21 de outubro de 2020 em 14:16

Obrigado amigo Romildo, como sempre um bravo jornalista dedicado ao saneamento. Abraços.

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Martin Grambow
1 de dezembro de 2020 em 13:23

This analysis meets the point!Thank you, Alvaro!
Stabilization of the rural areas is a state / common task. And a typical example that the private market in some meanings is not able to create social rational and responsible solutions. Until today, we (this comment comes from Europe, exact Bavaria, a German State) give subsidises special in the rural areas – we want to make the people stay there as farmers, distributed economic power, diverse living models.The same is true for the poor urban citizens.

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Álvaro Menezes
3 de dezembro de 2020 em 21:42

My dear friend Grambow.
Thanks a lot for your smart comment. New management models for sanitation services doesn’t mean that we are meeting the right way. I think we are now between dangers and risks. How to talk about universalization without real subsidies? Brazil needs to know the regional reality more than economic projections.

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