Ver e olhar para os serviços de saneamento.
Precisamos olhar para os modelos de gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário implantados e em estudo.
Alguns podem usar os verbos olhar e ver como sinônimos sem medo de errar, porém outros defendem uma diferença sensível e relevante entre olhar e ver. Dizem que olhar é mais profundo, remete à análise e busca descobrir detalhes, enquanto o ver é imediato e não provoca atitudes ou ações. Com base nestas opiniões, pergunta-se se não está na hora de olhar com atenção para os modelos implantados e em estudo para gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, principalmente?
Pode-se dizer hoje que a mais importante variável da equação do saneamento em busca da melhoria da qualidade dos serviços e sua sustentabilidade, é a participação da iniciativa privada como protagonista de todas as soluções. Isto tem sido um grande desafio, porque desde 1995 quando se iniciou a primeira concessão nos moldes da lei nº 8.987/95, as empresas privadas, apesar dos bons resultados alcançados, ainda são vistas, por alguns, como nocivas ao saneamento.
O parágrafo anterior pode ser uma boa oportunidade para testar as definições de olhar e ver. Será que está se olhando para a realidade nacional ou apenas se utilizando o ver para aplicar soluções imediatas ou criar modelos que não têm o saneamento como principal foco, valorizando apenas os resultados financeiros?
Após o chamado novo marco regulatório, lei nº 14.026/20, talvez se possa afirmar que a má fama dos privados como caçadores de ganhos financeiros tenha se relativizado, enquanto por outro lado, a má fama dos públicos tenha crescido exponencialmente, em alguns casos, sem nenhum relativismo, colocando no mesmo contexto os efetivamente ruins e os bons.
Desde 2020, sem dúvidas, há uma salutar mobilização em busca de soluções com a participação do setor privado, e alguns modelos recentemente implantados, já merecem um olhar atento de quem os modelou e gerencia, destacando pontos como:
- Imposição de regionalização direcionada para modelos que vedam a autonomia de municípios escolherem seus prestadores de serviços;
- Critérios de escolha dos concessionários privados:
- Adoção da maior outorga como forma de escolha, sem limites ou destinação de recursos para aperfeiçoar a cadeia de valor econômico e social nos serviços de saneamento, além de excluir empresas de médio e pequeno porte;
- Poucas exigências técnicas e operacionais para qualificar o operador, com privilégio do critério de capacidade na captação de recursos financiados;
- Possibilidade de uma empresa que opera distribuição de energia elétrica ser também responsável pelos serviços de água e esgoto numa mesma cidade/município, aumentando os riscos de cartelização e conflito de interesse;
- Situação das áreas rurais, onde não há incentivo à busca de modelos para inclusão de localidades de pequeno porte que exigem soluções de engenharia diferenciadas, operação com modelos de baixo custo e envolvimento da população local, com tarifas diferenciadas para garantir a sustentabilidade do contrato e dos serviços;
- Populações usuárias das tarifas sociais normalmente subdimensionadas pela ineficiência das empresas e serviços públicos, que não conseguem fiscalizar e combater usos irregulares por populações de baixa renda. Os percentuais informados pelas empresas estaduais, na maioria dos casos são completamente irreais, enquanto que os modelos financeiros das novas concessões estimam percentuais por sua vez também irreais, que não sendo confirmados provocarão reequilíbrio financeiro e aumento da tarifa. O risco deste subdimensionamento é comprometer a universalização, na medida em que pode ser melhor não investir para incluir populações de baixa renda e deixá-los à margem numa versão atualizada de “perda aparente social”.
Olhar a realidade já parece ser uma necessidade nas concessões iniciadas desde 2020, cabendo aos contratantes das novas concessionárias privadas e as agências reguladoras, os papéis complementares e essenciais de fiscalização e aferição dos indicadores de desempenho dos contratos. A ilusão de que os investimentos são o mais importante desses contratos com a iniciativa privada pode colocar em risco a melhoria da qualidade dos serviços e sua universalização.
Para fortalecer os avanços verificados é importante romper a contratação com foco em CAPEX e TIR, para estabelecer a melhoria da qualidade dos serviços com tarifas módicas e acessíveis a toda população, focando na gestão eficiente de operadores privados ou públicos amparada por subsídios reais para tarifas na área rural e populações de baixa renda.
Imagem do texto: O Estadão 29.03.2013, Márcio Roberto.
Lauro Menezes
17 de novembro de 2023 em 13:30Caro amigo, Como sempre observações lúcidas, em especial com relação à polêmica outorgas x redução de tarifas e o cuidado com as comunidades rurais. Abs 😎 fortes
Álvaro Menezes
19 de novembro de 2023 em 15:52Olá amigo Lauro, obrigado e agradeço pelos comentários de sempre. Abraços.