Regionalização não deve repetir o modelo PLANASA

Nos anos sessenta a criação das companhias estaduais de saneamento tinha como fundamento a regionalização por imposição.

Encontrar um modelo de gestão que possibilitasse a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário sob um novo enfoque de regionalização e escala econômica, era uma das necessidades, desde que as companhias estaduais de saneamento perderam a referência do BNH/PLANASA.

Quando foram criadas entre as décadas de sessenta e setenta, aquelas organizações receberam como reforço empresarial a adesão forçada de muitos municípios. Em algumas capitais, havia uma autarquia estadual que facilmente foi absorvida pela nova empresa e passou-se a utilizar o contrato de concessão como instrumento formal de garantia da prestação dos serviços por um ente público de direito privado.

A adesão forçada de muitos municípios se deu, entre outras argumentações, sob a ameaça de que os “independentes” seriam tratados de acordo com o rigor da lei, sem acesso aos recursos federais abundantemente disponíveis para que as novas empresas públicas do setor pudessem reduzir os déficits existentes na ocasião, melhorando a qualidade dos serviços e promovendo saúde pública.

O resultado desta época já é por demais conhecido, tendo uma história de sucessos pontuais e insucessos mais generalizados, não por causa do modelo necessariamente, mas, muito mais pela forma como o modelo foi gerenciado. Figurativamente, depois do fim do BNH – na prática um eficiente regulador nacional dos serviços prestados pelas estatais – as companhias, em maioria, mergulharam numa espécie de mundo próprio. Algo como não querer pensar no futuro, lutando para “esticar” o presente ao máximo para sustentar um status insustentável.

Obviamente, a prática gerencial geralmente conduzindo a realidades de ineficiência e resultados financeiros negativos, já mostrava ao longo dos anos, que para muitas dessas estatais, suas sobrevivências dependeriam de mudanças profundas em seus modelos de gestão. Rever, por exemplo a quantidade de municípios gerenciados sob a ótica do mesmo sistema gerencial baseado em um falso instrumento de subsídio, já era uma necessidade bem antes do decreto nº 10.588/2020.

O que se viu, recorrendo a modos figurados de expressão, foi que as companhias estaduais seguiram querendo alcançar o paraíso ou o céu, sem “morrer”. Ou seja, queriam mudanças sem mudar o que de fato eram ou como trabalhavam. É claro que houve exceções, porém, infelizmente, poucas, como se observa nos resultados atingidos até hoje.

A ideia de ineficiência, embora em alguns casos haja clara explicação para suas causas, gerou uma consolidada imagem de incapacidade geral de recuperação, que atingiu, graças à lei nº 14.026 e seus decretos regulamentares, até aquelas que buscavam mudanças reais.

O ambiente hoje se assemelha ao dos anos sessenta e setenta no século passado, tanto pelas soluções como pela forma de implementação delas, com a diferença de que se está substituindo as companhias estaduais por empresas privadas. Não foram atingidas apenas as companhias estaduais, mas os serviços municipais e suas autarquias também estão sendo envolvidas em um modelo imposto como o da época do BNH/PLANASA.

Os exemplos existentes no Brasil não deixam dúvidas de que as empresas privadas têm prestado bons serviços onde atuam. Planos respeitados, contratos e metas cumpridas em geral, tarifas compatíveis com a qualidade dos serviços prestados, indicam que esta solução não tem sido ruim. O que não pode se dimensionar hoje, é se as regionalizações ditas “filés com osso” gerarão apenas dividendos financeiros ou saúde pública para todos.

Talvez, o “filé com osso” pudesse ser substituído por modelos tipo “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, de modo que o ambiente para o novo operador mostrasse um realidade onde mais importante que se pautar por atratividade financeira, fosse gerar resultados socioeconômicos reais.

O que torna o novo modelo – assim dito por ser a troca do ente público de direito privado pelo privado – desafiador, está na inexistência de algo semelhante ao BNH como agente regulador, fiscalizador e controlador. As agências reguladoras infranacionais não estão, mesmo as mais capacitadas, dotadas de condições para atender a demanda que surgirá com a inserção acelerada de operadores privados num ambiente quase paralisado.

Considerando que a ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico não terá a mesma relevância nem papel semelhante ao BNH, restará, por tempo indefinido, apesar de promessas de mudanças também nas agências, conviver com reguladoras estaduais e municipais visivelmente conduzidas sem autonomia gerencial; com quadro de pessoal incapacitado de atuar tecnicamente, administrativamente e estrategicamente na gestão de contratos complexos; sem independência financeira e, algumas vezes, envolvidas em barganhas por governabilidade.

Uma das oportunidades que a situação atual traz, é ter a esperança de que as mudanças já ocorridas mostram que não dá mais para esperar por um modelo que tenha 100% de respostas para todas as necessidades de curto prazo, sendo necessário entender que ajustes precisam ser feitos ao longo do processo. Assim se preparar para isto é fundamental, principalmente não usando a imposição de soluções únicas como regra legal, nem tão pouco alimentando a ideia de que o operador privado é a “bala de prata” para a acabar com déficits.

O momento presente parece mostrar que os municípios estão começando a entender seu papel, embora, em alguns casos, não tenham condições de entender o que está acontecendo nem como se posicionar. Alguns nem sabem a força que têm como poder concedente autônomo.

Quem sabe isto não alimenta a ideia de que a melhor solução está no fortalecimento da relação município x operador x regulador, antes de impor uma regionalização que “anula” a força institucional de todos os municípios?

Imagem no post: por-que-ainda-precisamos-falar-sobre-saneamento-basico-800×480.jpg

10 Comentários em “Regionalização não deve repetir o modelo PLANASA

Manfredo Paulino
30 de junho de 2021 em 13:21

Excelente artigo. Sempre bom refletir até que ponto tentar exaurir todas as demandas, realmente demonstra competência em gestão ou apenas revela um modelo de gestão ineficaz capitaneados por “gestores” voltados aos seus interesses próprios, fomentando um verdadeiro EGOsistema que deve ser evitado em todo modelo de gestão.

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Álvaro Menezes
30 de junho de 2021 em 15:34

Obrigado.

Responder
Manfredo Paulino
30 de junho de 2021 em 13:23

Excelente artigo. Sempre bom refletir até que ponto tentar exaurir todas as demandas, realmente demonstra competência em gestão ou apenas revela um modelo de gestão ineficaz capitaneado por “gestores” voltados aos seus interesses próprios, fomentando um verdadeiro EGOsistema que deve ser evitado em todo modelo de gestão.

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Alexandre Portela de Holanda Cavalcanti
30 de junho de 2021 em 14:02

Excelentes e sábias palavras mais uma vez mostrando a sua competência sobre Saneamento,,, parabéns,amigo Álvaro!

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Álvaro Menezes
30 de junho de 2021 em 15:35

Obrigado amigo, abraço.

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Álvaro Menezes
30 de junho de 2021 em 15:31

Boa tarde. Obrigado.

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Eduardo Castagnari
1 de julho de 2021 em 10:02

Lúcido, oportuno e contundente este seu artigo, meu amigo Álvaro. Quem não observa o passado corre o serio risco de errar novamente. Penso que, em certos casos, a regionalização bem feita, justa e bem modelada, poderá ser uma solução adequada. Mas, em hipótese alguma, desde que o município tenha como atender com segurança comprovada as metas legais de universalização, a regionalização deva lhe ser imposta por vias legais ou por injunções políticas.

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Álvaro Menezes
1 de julho de 2021 em 13:47

Amigo Eduardo, obrigado por seu comentário, que espelha sua experiência e conhecimento deste nosso setor.
Abraços.

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Ivaldo Calheiros
1 de julho de 2021 em 12:54

Vou mandar Bolsanaro olhar e avaliar seu potencial irmão… Promete viu!…

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Álvaro Menezes
1 de julho de 2021 em 13:46

Meu querido amigo, agradeço por seu comentário e por ler meus textos.
Porém, nem Lula, nem Bolsonaro..rsrs
Abraços

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